domingo, 3 de junho de 2018

BEZERRA DE MENEZES, O AMBIENTALISTA


Milhões pelo mundo já ouviram falar do médico dos pobres, do inesquecível líder espírita, mas pouquíssimos leram os discursos parlamentares do notável político que foi como deputado provincial (equivalente, hoje, a deputado federal).

Eis um de seus projetos de lei:

1883 - Nº 39

Serviço florestal nas montanhas que circundam a capital do Império

A Assembléia Geral resolve:

Art. 1º O Governo é incumbido de organizar um serviço florestal nas montanhas que circundam a capital do Império, conservando as matas atuais, refazendo as que têm sido destruídas, deixando livres os pequenos cursos d'água que estão encanados e impondo penas a quem derrubar árvores dentro de uma zona, que deverá ser demarcada.
Art. 2º O serviço abrangerá toda a extensão que há desde o Jardim Botânico até a serra do Mateus; mas deverá ser inaugurado na seção central, que é a que vai da Floresta, na Tijuca, à Fábrica das Chitas. 
Art. 3º Na lei de meios o Çoverno pedirá o que julgar preciso à execução deste serviço pela repartição das obras públicas. 
Art. 4º Ficam revogadas as disposições em contrário. 
Paço da Câmara. - Bezerra de Menezes.

Na impressionante justificativa ambientalista ao projeto, muito à frente do seu tempo, aparece, também, firmando posição, o parlamentar municipalista que foi, tendo como pano de fundo a defesa de melhorias logísticas, com recursos privados, ao cinturão agrícola da capital do Império:

O SR. BEZERRA DE MENEZES solicitou urgência para apre- sentar dois projetos relativos a necessidades urgentes do Município neutro, que tem a honra de representar.
No primeiro projeto, trata o orador de uma questão que tem sido abandónada completamente pelos poderes públicos e que, na opinião do orador, é da maior transcendência, porque entende com os cômodos e com a saúde dos habitantes desta capital: refere-se ao serviço florestal das montanhas que circundam esta cidade.
Mostrando as péssimas condições dos terrenos em que está assente esta capital, diz o orador que a natureza, porém, preveniu este mal, circundando-a de altas montanhas com vegetação frondosa.
Em discussão com o inspetor das obras públicas, o Sr. Morais Jardim, em 1874, o orador demonstrou a necessidade de tomar o Governo em consideração o desprezo com que tem sido tratado o serviço da conservação das matas naturais dessas montanhas e mesmo o da plantação de florestas, principalmente na encosta que olha para a capital
ou para o mar.
Apesar de ter mostrado a necessidade e mesmo a urgência de se cuidar de tão sério assunto, nada se fez não só quanto à conservação das matas nativas, como no que respeita ao plantio ou replantio de árvores, que são constantemente destruídas por particulares, no intuito especulativo de fazer queima de carvão.
De dia a dia, observa o orador, pioram as nossas condições higiênicas devido a esta prática proibida em todos os países; de dia a dia o clima desta capital torna-se mais árido, porque vão desaparecendo as grandes matas que tanto concorrem para o abaixamento da temperatura e, portanto, para a constância das chuvas. A estas causas, principalmente, atribui o orador a falta de chuvas que no verão caíam com mais ou menos regularidade sobre esta capital e a das trovoadas que eram infalíveis em todas as tardes de verão.
Além disto, observa ainda o orador, o Governo mandou sugar todos os lacrimais que correm dessas montanhas, a fim de, fazer servir ao fornecimento de àguas à cidade. Esse fato, porém, tinha uma explicação baseada na necessidade de fornecer água à população desta cidade; mas hoje não, porque o Governo, segundo o orador leu no jornal do Comrnercio, gastou 21.000:000$ com o abastecimento de água à população.
Na opinião do orador esta questão é da maior importância para a capital e para o País; para a capital, porque entende com os seus cômodos e necessidade da saúde de seus habitantes; para o País, porque sendo a nossa maior necessidade pública a importação de braços, e não se conhecendo do Brasil no estrangeiro senão a Corte, os foros de cidade saudável serão um atrativo para os estrangeiros, tanto quanto a ruim fama que a cidade vai gozando de ser constantemente freqüentada por epidemias afastará de nossas plagas os braços de que tanto precisamos.
Alonga-se o orador em importantes considerações sobre este assunto, para o qual invoca a atenção dos poderes públicos.
Continuando, diz que sabe que a matéria é mais da competência da municipalidade do que do Parlamento, mas reconhece que a nossa edilidade não está em condições de realizar serviço desta ordem, por falta de meios até para pequenos e insignificantes serviços municipais.
Se o Governo, como o orador espera, trouxer ao Parlamento a reforma às nossas municipalidades, no sentido da descentralização, então não correrá ao corpo legislativo o dever de tratar desta questão; mas se acontecer que o Governo não tenha tempo para formular um projeto referente a este assunto, ou ao Poder Legislativo faltem meios para converter em lei o projeto, não devemos ficar de braços cruzados diante de uma necessidade tão palpitante.
Refere-se também à estrada de ferro para a Tijuca, cuja concessão o Governo já fez e cujas vantagens vão ser muito apreciadas pela população.
O primeiro projeto, portanto, que o orador vai apresentar autoriza o Governo a organizar um sistema florestal, não de limitadíssima experiência, como já temos em dois pontos. Quer um sistema florestal que se estenda desde as montanhas do Engenho Novo até as do
Jardim Botânico, neste semicírculo em que se acha a cidade do Rio de Janeiro.  
Passando o orador a ocupar-se do segundo projeto, a que se referiu no começo do seu discurso, diz que vai tratar de uma outra necessidade do Município neutro: a indústria agrícola nas freguesias suburbanas.
Mostra quão próspera já foi nestas freguesias a indústria agrícola, a qual hoje está completamente abandonada. Querem alguns, diz o orador, explicar este abandono pela falta de braços em conseqüência do progresso resultante da emancipação dos escravos.
O orador não aceita este motivo, porque os braços escravos não escasseiam completamente entre nós. Outros querem atribuir o desaparecimento desta pequena lavoura, que concorria para o bem-estar, para os cômodos e para a satisfação das necessidades da nossa população, à concorrência da viação férrea e barata, que nos traz gêneros de pontos muito mais remotos e com o preço mínimo do transporte.
O meio de remediar este mal parece muito simples ao orador: é fazer com que essas freguesias, cujo solo é ubérrimo, tenham o mesmo recurso que hoje o Estado fornece aos pontos mais longíquos.
Não vem pedir ao Parlamento estradas de ferro para o Município neutro, pois sabe quais as circunstâncias do Pais; vem pedir-lhe apenas railways, pequenos ramais de bondes para a Esfradà de Ferro D. Pedro II, partindo dos pontos mais importantes de cada uma dessas freguesias, pondo-as assim em contato com a Corte.
Não quer senão a iniciativa particular, que precisa de animação, e esta pode traduzir-se pela garantia, que lhe parece nominal, de juro sobre o capital de 1.000:000$ a 2.000:000S, ou então auxílios quilométricos, ou, o que é mais provável, a concessão às atuais companhias de bondes desta capital de fazerem esses ramais concedendo-se-lhes um prazo de 50 a 60 anos para o gozo.
Vêm à Mesa os seguintes projetos, que são lidos e remetidos: o primeiro à Comissão de Agricultura, Minas e Bosques; o segundo à de Comércio, Indústria e Artes.