segunda-feira, 11 de julho de 2011

Qual será nosso charme atracando navios?



Por Rosane Porto – Jornalista e Professora

A última temporada de Verão foi rentável para a Argentina, conforme dados amplamente divulgados pela mídia especializada. O vai e vem do turismo interno e externo fez o país contabilizar, somente com cruzeiros marítimos, a chegada de 135 navios de bandeiras diversas a Buenos Aires, fazendo aportar cerca de 400 mil turistas, um recorde conforme as contas oficiais. De olho nos números, há tempo os argentinos vêm tratando de atrair investidores e, assim, em março, ao final da última temporada de Verão, a presidenta da Argentina Cristina Kirchner cortou a fita do terminal de cruzeiros Quinquela Martín, de Buenos Aires, uma obra em que disseram terem sido investidos cerca de 900 milhões de dólares, mas a cargo da concessionária privada composta pela Dubai Port World (55%), Mitsubi (5%) e o grupo financeiro Life (40%).

Os argentinos apregoam que este é o maior e mais moderno terminal da América do Sul. Pelas contas e descrição do ambiente devem ter razão: a capacidade de recepção passa de 120 mil para 600 mil passageiros/temporada. O cais foi ampliado, o edifício do terminal agora tem dois andares, conta com sala de espera para duas mil pessoas, sistema de ar condicionado central e música ambiente. Além disso, há dois setores de check-in, onde trabalham mais de 100 pessoas, e depósito capaz de abrigar mais de 12 mil malas. 
O primeiro piso do complexo tem lugar para escritórios da alfândega, Interpol, dezenas de guichês de triagem, além de 20 postos para atendimento da imigração. Inúmeras lojas e cafés estão situados no piso térreo e na doca externa, o serviço de táxi promete ser farto. Tudo isso para superar uma renda que na última temporada somou 100 milhões de dólares. 

Quem já esteve em Buenos Aires, por ar, mar ou terra, sabe que a cidade tem no patrimônio histórico-cultural a sua maior riqueza. Nunca fui de navio a Buenos Aires, mas já estive diversas vezes na cidade por ar e terra. Devo confessar: não me canso de ir até lá e cada vez que vou descubro um pedacinho novo da cidade, para além do circuito Calle Florida-Plaza de Mayo-Recoleta- San Telmo. Ainda não aprendi a dançar tango, mas gosto de ver aquela metrópole crescer com o turismo que aprendeu a produzir e brasileiros estão por lá assando o melhor churrasco de Puerto Madero. E a produção turística não se restringe à capital federal, porque em outras cidades o turismo também é levado a sério, como em San Carlos de Bariloche, Mar del Plata e Carlos Paz (Córdoba). Aliás, uma produção com investimentos privados, já que o dinheiro público si fué hace tiempo, após sucessivas crises financeiras, notadamente no setor agrícola, somados a pacotes econômicos que fizeram a Argentina perder posições no cenário sul-americano. 

Longe de comparações – entre Buenos Aires e Florianópolis -, fico a perguntar qual será nosso charme? E ainda: Por que por lá os investimentos financiam obras como o de Quinquela Martín e por aqui ficamos a ver navios pelas fotos dos jornais e websites? Para além da promessa positivista do aterra e constrói e que, de carona resolva as questões sociais, apenas pergunto após viver nesta região por mais de 20 anos: Temos charme? Acho que sim, e de sobra, e não foi à toa que milhares de “estrangeiros”, como eu, vieram parar aqui e decidiram aportar de vez, nem tanto ao desterro, mas porque Florianópolis inspirava confiança e exalava um aroma diferente, às vezes nem tão acolhedor, por causa do danado do vento Sul, frio, arrebatador, mas que sempre trazia cardumes fartos de peixes frescos a preços módicos. 

O que nos falta, então para bater o recorde argentino? Já que temos terra, vasto mar, ar puro, um vento doido a “marolar” e que traz peixe fresco para ser cozido à moda da casa – com pirão de feijão, coisa que aprendi a comer aqui –, além da vontade imensa de fazer parte do mundo – mesmo desterrados -, um terminal marítimo não seria demais. Continuaríamos a ser os mesmos: alegres amantes do vento sul e de certas lendas que nos fazem achar que vivemos para além do bem e do mal, porque nosso charme é esse mesmo, o de ser cidade-ponte, entre o mar e o continente, entre o real e o imaginário de que falavam Franklin Cascaes, Mayer Filho e Eli Heil.

Quando o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, juntou-se com o governador do Rio, Sergio Cabral, e à Presidenta, Dilma Rousseff, pra inaugurar o teleférico do Complexo do Alemão na semana passada, achei ridículo à primeira vista. Como carioca sei como funciona o non sense por lá. Mas depois pensei, olhando o trânsito de Floripa na Via Expressa: “Bem que podia haver uma linha teleférica Kobrasol-Morro da Cruz e eu iria compor canções no trajeto em torno de 20 minutos”. E algum dia sentir-me-ia um Caetano a cantar que alguma coisa acontece ao cruzar a Baía Sul ou imitaria Antonio Carlos Jobim a dizer que algo sobre a “ponte aérea” entre Continente- Ilha. Por isso disse aqui neste espaço que políticas de turismo não podem estar apartadas de políticas sociais. Afinal de contas, cada um de nós aqui neste espaço quer muito mais que o contato com estrangeiros, de dentro e fora do país.


Sou e continuo carioca, mas tenho fé na cidade em que a família de meu pai nasceu. Por isso e por tantos outros motivos, sinto-me parte da região, parte de um plano que faça os daqui e os de lá sentirem-se em casa. Por isso postei pela primeira vez neste grupo algumas questões simples que aludiam ao transporte coletivo, segurança educação. Não há curso à distância, fast trainning ou o que quer que seja que nos faça ingressar numa outra era para Florianópolis e região, a não ser os investimentos conjuntos. Nós – que aqui estamos e por vós esperamos – entramos com a cultura, aquela disposta a ser compartilhada. Os investidores entram com a grana, porque dela vão tirar seu lucro. Os organismos públicos que tratem de harmonizar esta relação, como um bom vinho que combine com tainha grelhada ou escalada. 

Enquanto isso, Salvador, Vitória e Paranaguá apressam seus planos, além do Rio de Janeiro – minha cidade – com o Terminal Marítimo Mauá, que sempre em concorrência com Valparaíso (Chile) e Buenos Aires, acaba levando as melhores avaliações dos organismos especializados. Na última temporada, Mauá recebeu cerca de 800 mil visitantes e bateu o recorde de 35 mil turistas em apenas um dia. Por isso, trabalha para abraçar 3 milhões de passageiros por temporada até 2016. E Florianópolis, aliás São José, Palhoça e Biguaçu, donos de parte do litoral atlântico catarinense, que faremos nós?

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