Houve uma tarde em que saí para caminhar. Estava muito depressivo. E não cabe aqui discorrer as dramáticas razões de todo este estupor. Quero apenas registrar fato realmente inusitado em minha vida.
Cabeça metida num turbilhão de desesperanças, de desencantos. Incertezas, medos, receios mil. Em algum momento outros já passaram por isto. Literalmente quer-se morrer, evaporar.
Mas aí vêm à mente nossos afetos, a necessária noção de compromisso e responsabilidades, valores morais e religiosos, um certo sentido de "missão a cumprir"... Tudo aquilo, enfim, que justifica e explica nossa árdua singradura material sobre o planeta.
No meu caso, porém, desta vez surgiu também um cachorro desconhecido, todo branco, porte médio para grande. Não em meus pensamentos, mas cruzando meu caminho, esfregando a cabeça em minha perna e passando a seguir-me do nada, voluntariamente. Fez mais, aquele a que passarei a chamar de "Anjo".
Não tinha coleira ou algum outro sinal de ser propriedade de alguém, mesmo com excelente aparência, sendo até bastante bonito!
Apressou o passo e pôs-se a trotar à minha frente, como se estivesse no comando. E por vezes olhava para trás, como a certificar-se que eu o estava seguindo. Resolvia urinar em algum local, ou fuçar algo, e ficava para trás. Logo em seguida, muito senhor de si, postava-se novamente adiante de mim. Quem olhasse, tal a sintonia, pensaria tratar-se de um dono e seu cão, fiel companheiro.
Desnecessário dizer que toda aquela vibe ruim sumiu, levando embora o cismar dolorido e suas péssimas energias. Passei a caminhar pela grama e a ter vontade de brincar com o cachorro, logo eu, que há poucos instantes queria desaparecer do mundo!
Peguei uma pinha no chão, às margens da Lagoa da Conceição, que é onde eu me encontrava, e lancei-a longe. O Anjo saiu feliz, em disparada, e foi buscar. Soltou-a aos meus pés e enfiou-se na água, como quem sugere: "Vem brincar aqui!"
Peguei um toco de madeira e lancei adiante, na água, e o Anjo foi aos saltos buscar.
Parecia um animal bastante saudável, mas ao longo do percurso foi dando sinais de fome e sede. E não parava um minuto, enfiando o focinho em moitas, ficando para trás, passando a frente.
Em dado momento havia um amontoado de pessoas ao lado de um ônibus de excursão, que fizeram-lhe festa. "Pronto", pensei, "perdi o Anjo", por quem eu já nutria uma estranha sensação de pertencimento. Então, mais estranho ainda, veio-me a intuição de eu não sentir-me responsável por ele e que, quando fosse o momento, ele simplesmente iria embora.
Mas o Anjo levantou a cabeça, viu-me ou cheirou-me adiante, e alcançou-me novamente.
Ía-mos pela grama e ele meteu-se sobre uma enorme rede de pescador, estendida ao sol. Enredou-se um pouco, soltou um ganido de medo e, diante de um "sai daí!!!" meu, enérgico, deu um safanão e soltou-se, passando a caminhar ao meu lado meio acabrunhado debaixo de risadas do dono da "armadilha".
Logo, porém, já estava na sua atividade, correndo, saltando, fuçando e... juro, como que vigiando-me...
Enfim cheguei em casa, abri o portão. O Anjo, entrou. E ficou procurando.
Serviu-se da primeira água fresca que achou. Sentou-se com elegância, feito um destes animais que vemos em palácios. Tinha um belo porte, o Anjo!
Seu olhar, porém, era direto: queria comida. Servi-lhe um belo bife sobre a grama. Pegou sua recompensa com a boca e foi-se portão afora, rua afora e sumiu. "Não se sinta responsável por ele...", veio à minha mente de novo.
Além da lembrança desta experiência quase mística, em uma tarde que começou triste e terminou iluminada, ficou apenas uma foto.
A única que fiz com o celular, talvez para provar à mim mesmo que o Anjo existe neste plano...
Nenhum comentário:
Postar um comentário