Por Celso Martins
Até a década de 1960, a principal porta de acesso à Ilha de Santa Catarina era o trapiche do cais Rita Maria. Atualmente temos o Aeroporto Internacional Hercílio Luz e a BR-101, mas é pelo Terminal Rita Maria que chega o maior número de visitantes a Florianópolis. A comparação é feita pelo marítimo aposentado Wellington Martins, nascido em 1929, que dedicou 17 anos de sua vida à Companhia Nacional de Navegação Hoepcke.
Dessa experiência resultou o acúmulo de um conjunto de memórias que contam um pouco do passado da Capital, quando o porto era um dos principais do Sul do Brasil, freqüentado por navegadores, piratas e aventureiros desde os anos 1500. Essa situação prosseguiu até o fechamento do porto, por volta de 1964, devido principalmente aos elevados custos com a permanente dragagem do canal de acesso pela baía Norte.
"Bons tempos aqueles", diz Wellington, que começou a trabalhar no estaleiro Arataca, junto à cabeceira insular da ponte Hercílio Luz, em 1946, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. "Durante o conflito Florianópolis esteve sujeita a constantes apagões, principalmente devido ao fornecimento precário de energia elétrica vinda da usina do rio Maruim", recorda. "A potência instalada era a metade da que é usada hoje para iluminar a avenida Beira-Mar Norte", comenta.
Uma das lembranças mais presentes em Wellington é a do incêndio no navio Carl Hoepcke, ocorrido na costa de Santos (SP). A embarcação havia sido construída na Alemanha, em 1926, e chegado a Florianópolis no ano seguinte, carregada com 898 toneladas de carvão. O Carl Hoepcke tinha capacidade para 750 toneladas de lastro e calado máximo de 12 pés, com 62,40 metros de comprimento por 10,96 de largura.
Uma das lembranças mais presentes em Wellington é a do incêndio no navio Carl Hoepcke, ocorrido na costa de Santos (SP). A embarcação havia sido construída na Alemanha, em 1926, e chegado a Florianópolis no ano seguinte, carregada com 898 toneladas de carvão. O Carl Hoepcke tinha capacidade para 750 toneladas de lastro e calado máximo de 12 pés, com 62,40 metros de comprimento por 10,96 de largura.
As máquinas com potência de 12 mil HP moviam duas hélices para uma marcha de 12 milhas por hora, contando com equipamentos de radiotelegrafia, frigorífico com máquina para produzir gelo e aparelhos Clayton para incêndio e outro a vapor para desinfecção. Era, enfim, um dos navios mais modernos daqueles tempos."O incêndio aconteceu no dia 26 de setembro de 1956, a cerca de 15 milhas do porto de Santos, devido a problemas de manutenção na casa de máquinas", recorda. O Carl Hoepcke estava com 130 passageiros a bordo e abarrotado de farinha de madioca e madeira. "Para apagar o fogo foi preciso afundar o navio e depois trazê-lo de volta, numa operação delicada e perigosa, mas que deu resultado", conta.
Martins recorda que um tripulante, apavorado e que sabia nadar, se jogou na água e morreu afogado. Outro, um taifeiro, que nunca havia nadado, permaneceu cerca de 36 horas agarrado em madeiras que seriam usadas na fabricação de caixas de cerveja, até ser resgatado. "Parte da carga foi transferida para outra embarcação e o Carl Hoepcke acabou sendo transportado de volta a Florianópolis por um rebocador", recorda Wellington, que fotografou o navio de cima da ponte Hercílio Luz na chegada.Trapiches da baía Sul eram usados no transporte de passageirosAlém do Carl Hoepcke, a Companhia de Navegação contava com os vapores Max, Meta e Anna, todos lendários e que rendem dezenas de narrativas de aventuras e saudades. "As embarcações de transporte de passageiros e cargas deixavam o porto de Florianópolis e seguiam pela costa brasileira, atracando em Itajaí e São Francisco do Sul (SC), Santos, São Sebastião, Ilha Bela, Ubatuba e Caraguatatuba (SP) e Rio de Janeiro", assinala.
Os passageiros que chegavam a Florianópolis desembarcavam no cais Rita Maria, entre o atual terminal rodoviário e as imediações do antigo hotel Diplomata, área que foi aterrada em meados da década de 1970. Os tripulantes desses navios usavam o trapiche do Miramar para chegar em terra. "Existiam outros trapiches na baía Sul", recorda, igualmente desaparecidos com o aterro, com destaque para os que ficavam em frente ao Mercado Público e Alfândega.
Enquanto aguardavam vaga no trapiche do Rita Maria, os navios permaneciam fundeados entre o Portal Turístico e a antiga ilha do Carvão, que atualmente serve como suporte de pilares da ponte Colombo Salles. "Nossa infra-estrutura era melhor que a do porto de Itajaí, que acabou sendo privilegiado devido a injunções políticas, o que também ajudou a acabar com a condição portuária de Florianópolis", garante.
Eram os tempos da União Democrática Nacional (UDN) e do Partido Social Democrático (PSD), antes de 1964. O ex-governador Irineu Bornhausen, líder udenista, natural de Itajaí, "puxava a brasa para sua sardinha", ou seja, estimulava o uso da foz do rio Itajaí. "Chegaram a construir uma ferrovia desde o alto da serra, passando por todo o Vale do Itajaí, até o porto, para escoar as mercadorias", recorda.
Os interesses de Florianópolis e da empresa Hoepcke eram defendidos principalmente pela família Ramos, ligada ao PSD, como o ex-governador Aderbal Ramos da Silva. Na queda de braço entre as duas correntes partidárias da época, Itajaí acabou levando a melhor, "apesar de ter um porto com pouco espaço de manobra e pequeno calado", assinala Martins.
"Hoje o Porto de Florianópolis está inviabilizado (*), apesar de ter condições de abrigar esquadras inteiras de grandes navios", avalia. "As pontes de concreto que ligam a Ilha ao Continente impedem a chegada de embarcações pela baía Norte. Isso só poderia ser feito pela barra Sul, mas ela está muito assoreada e oferece riscos de encalhe e outros acidentes", complementa.
O atracadouro do antigo Miramar era muito usado para o transporte de passageiros e mercadorias entre a Ilha e o Continente, situação que perdurou até a inauguração da ponte Hercílio Luz, em 1926. "Quando o vento Sul soprava muito forte o embarque e desembarque eram feitos na baía Norte, mais ou menos na frente da atual praça Esteves Júnior", recorda.
(CM)
(A Notícia, 2 de maio de 2004)
* Nota: Após estudos do DEINFRA/SC, concluiu-se que o melhor local para um terminal de cruzeiros na Grande Florianópolis e na praia de Canasvieiras, na Ilha de Santa Catarina.
Créditos da imagem: Ponte Hercílio Luz, com o navio Carl Hoepcke (Anos 30) em navegação. Acrílico sobre tela do artista plástico Cipriano, de Florianópolis, Santa Catarina.
Nenhum comentário:
Postar um comentário