sexta-feira, 24 de julho de 2015

Em defesa dos Ranchos de Pesca


Os Ranchos de Pesca na orla, junto à areia da praia, são uma verdadeira "instituição" no litoral catarinense e é equivocado afirmar que devam ser permitidos apenas a pescadores - cada vez mais raros! - que vivam exclusivamente da pesca.

Historicamente são locais que preservam nossas mais ancestrais tradições ligadas ao mar. 

Passam de geração a geração juntamente com diversos saberes e fazeres: o conhecimento da fauna e da flora, o prazer de navegar, as artes da marinharia e da pesca artesanal, a antevisão das mudanças climáticas, a precisa triangulação geográfica transmitida pela tradição oral (para fundear exatamente sobre os pesqueiros sem necessidade de carta ou de sondas ligadas a GPS), a gastronomia local, a camaradagem no mar, o amor pelo lugar...

Eixo em torno do qual se dá o convívio entre familiares, amigos, vizinhos. A gente da terra que dialoga com o mar através desta interface ancestral: o Rancho de Pesca.

Todos nós apreciamos observar pescadores em sua faina, conduzindo seu barco, de tradicionais canoas ou bateiras a remo ou a motor a modernos barcos de alumínio ou de fibra.

Pouco importa se aqueles sujeitos lançando redes, tarrafas, espinhéis, gerivais, puçás ou, pacientemente, linhas ou caniços na mão, aguardando "aquele" peixe, ou manejando fazendas aquícolas, tenham na pesca seu exclusivo  sustento ou não. Também não interessa se a pescaria será destinada à venda ou a consumo próprio. Enfim, não interessa se é profissão ou hobby.

É uma bela e importante tradição, de enorme valor sócio-cultural e cênico, que não sobrevive em sua essência sem o Rancho de Pesca!

Em minha família temos Rancho de Pesca há séculos em Florianópolis e São Francisco do Sul. Estamos em Santa Catarina desde (no mínimo) 1760, conforme livro de batismos encontrado na Cúria da capital. 

Foi no Rancho de Pesca, desde criança, que aprendi (ou de outras vidas recordei) o que é uma tarrafa e a função de suas partes (chumbada, rufo, malha, fieira...), a preparar uma linha de pesca para diferentes tipos de peixe e sabê-los pelo nome, como usar um viveiro de palha, para quê serve a cuia feita de catuto, a jamais sair para pescar sem remos no barco, a observar o movimento das marés, as fases da lua, que tem o camarão ferro, o sete barbas e o branco, a respeitar os mais velhos, a ser prestativo, a necessidade de organização das tralhas e a limpar tudo na volta.

No Rancho de Pesca, aprendi a servir e a partilhar.

Não há problema algum que o Rancho de Pesca eventualmente tenha sanitário e cozinha básica composta por pia, fogão, geladeira e armário, afinal, não fosse apenas a necessidade do saneamento ambiental, como assinalado o local não serve apenas para guardar a equipagem do pescador: também é sagrado espaço de convívio familiar e comunitário. 

O Rancho de Pesca, por tudo o que simboliza para as comunidades tradicionais, deve ser respeitado pelo frio olhar supostamente legalista, às vezes míope pelo ranço ideológico ou apenas pelo preconceito contra o pescador, profissional ou não.

Hoje, o turismo global valoriza enormemente as experiências autênticas. Excelente! O Rancho de Pesca é o mais autêntico símbolo da nossa orla.

Por tudo isto, entendo que o Rancho de Pesca, elo material do tecnológico presente com nosso romântico passado, deve ter atenção prioritária especialmente pelos prefeitos, em defesa das nossa mais caras tradições litorâneas.

Que se criem facilidades legais à sua existência e conservação, ao invés de cada vez maiores dificuldades por gente em escritórios com ar-condicionado, às vezes encastelada na Esplanada dos Ministérios em Brasília. Por isto, também, é fundamental que os terrenos de marinha deixem de ser pripriedade da União!

Vida longa aos Ranchos de Pesca!!!




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