quarta-feira, 15 de julho de 2015

Fundação da Colônia de Pescadores Z-2, em São Francisco do Sul


A Colônia de Pescadores Z-2, fundada por meu bisavô Arnaldo Claro São Thiago, foi objeto, em 2010, de estudo em dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UFSC:

A Colônia de Pescadores Z-2, “Nossa Senhora da Graça” de São Francisco do Sul, foi criada em 25 de outubro de 1921, pelo professor Arnaldo Claro São Thiago, exatamente no mesmo período em que a institucionalização da pesca dava os seus primeiros passos. Logo em seguida foi instituída uma das primeiras escolas primárias da Colônia de pesca do Brasil, instalada no edifício do abrigo “Frederico Vilar” na rua da República, na praia do Motta, centro da cidade de São Francisco do Sul.


A escola tinha como objetivo trabalhar com os pescadores artesanais promovendo a escolarização. Na região sul do Brasil a Colônia Z-2, segundo o seu presidente Ismael dos Santos, sempre produziu diversos trabalhos junto aos pescadores.

Em sua obra Fagulhas (1927), meu bisavô, com sua expressão superior, aos 41 anos, descreve o contexto no qual a "Z-2" foi fundada, seis anos antes:

No município de São Francisco, restrito campo das minhas observações pessoais, desde que me foi confiada, por Frederico Villar, a incumbência de organizar uma colônia de pescadores, oferece aspectos verdadeiramente alarmantes a importante questão social que, em virtude da sua complexidade, só poderá ser solucionada no curso de algumas gerações, mediante o emprego sistemático de medidas governamentais ou de iniciativa particular.

Além da assistência médica e farmacêutica gratuitas, da criação de asilos para órfãos e mendigos, o fundador da Colônia de Pescadores Z-2 dá destaque a:

- difundir a instrução entre as aludidas populações, proporcionando-lhes, desse modo, o conhecimento da sua própria situação;

- incentivar o cooperativismo;

- estimular, enfim, por todos os meios e modos, o trabalho destes nossos patrícios, cujas qualidades intrínsecas de caráter, são de molde a construir segura garantia de que poderão eles tornar-se ainda elementos úteis à Pátria e prestimosos colaboradores do engrandecimento nacional.

Na referida obra, em transporte de alma, meu bisavô homenageia os bravos homens da pesca e suas famílias:

O PESCADOR

A diuturna flama, a comburir no espaço,
inda não crepitou. Da noite no regaço
dormem a terra e o mar, dormem placidamente.
Passa então no céu o cortejo explendente
das estrelas, em torno à pálida sonâmbula.
Silêncio de necrópole. Uma voz notâmbula,
porém ao longe ecoa: é o canto da saudade
que o marujo desfere em plena soledade.

Distante vem o dia e as auras matutinas
começam a encrespar as águas cristalinas.

O cenário mudou. Agora as ardentias
vão, recamando o mar de revoltas estrias,
projetar-se aos parcéis, à praia alvinitente.
Então o pescador acorda e prestamente,
sobraçando lanterna e remos e velame,
corre à faina do mar, antes que a esposa o chame.

Já nas ondas flutua a próvida canoa;
solta a vela ao terral e para o norte aprôa.

Ei-lo firme na popa, a manobrar, garboso
o seu barco veloz sobre o mar tenebroso.

Antes que o sol vergaste os duendes da noite
com o feixe de luz do espectral açoite
e crave no horizonte o seu olhar primeiro,
se encontra o pescador em cima do pesqueiro.
Atira a poita ao mar e a vela, bem ferrada,
acomoda na proa, embaixo da bancada.

Há prenúncios da aurora. "Inda puxa a maré."
Sobre o fogo da telha aquenta-se o café.
(Não há nada melhor que tomá-lo quentinho.
- o bom café com pão, no largo mar, cedinho...)
Depois o pescador acende seu cigarro;
Lança ao vento a fumaça e, puxando o pigarro,
dá graças a São Pedro e vai buscar o anzol.

Começa a clarear e já se avista o sol.
Descem chispas de fogo ao mar, refresca o vento.
Nos rochedos, ao longe, um lençol alvacento
de espumas, se adelgaça e rola, em torvelhinhos,
no abismo torvo e negro onde assomam golfinhos.

Não teme o pescador: com linhote e chumbada
é firmar-se na borda e não perder a linhada.

Ei-lo agora em seu posto, atento, vigilante,
os recessos do mar sondando instante a instante.

De súbito o linhote enrista força estranha
que parece agitar do oceano a funda entranha.
Movimento instintivo a mão que tem alçada,
impele o pescador na ríspida ferrada
que faz do curvo anzol a farpa traiçoeira
nas guelras se encravar da pescada matreira.
E agora é tentear o peixe na corrida;
não lhe dar muita linha e nem forçar-lhe a brida,
que ainda pode escapar se não tiver cuidado.
Vai muito a diligência e o esforço redobrado.

Mais um pequeno arranco e a rigida arpoada
rasga o aurifero dorso à túrgida pescada...

Quando o sol vai a prumo e encrespa a nordestia
o sereno e brilhante espelho da baía,
recolhe o pescador as poitas e o viveiro
e faz rumo da praia em seu barco veleiro.

Nesse dia sorriu-lhe a sorte caprichosa:
- comprará um vestido à esposa carinhosa,
Um pouco de riscado aos filhos... E pensando
em tais coisas, sorri, se alegra e vem cantando.

Entretanto nem sempre as auras da fortuna
são propícias ao bom e nobre pescador:
hoje, falta-lhe a isca; outras vezes, o tempo
se incumbe de entravar-lhe o gênio lutador.

Então se o vento ronda ao quadrante de leste
já se pode esperar mau tempo muitos dias;
ei-lo, pois, aplicando em consertar as redes
o forçado lazer das longas invernias.

Quantas vezes, porém, ele se faz ao largo
com o vento à feição e mares bonaçosos,
e, já no oceano afora, o anúncio da borrasca
desenha pelo céu sinais tempestuosos.

Rápido o pescador ferra o pano à canoa
e murmura uma prece à virgem padroeira:
- "Valei-me, vós, Senhora! Em meio da tormenta
protegei o meu barco, oh! santa Mensageira!".

Erguem-se vagalhões, ribomba a trovoada;
cruzam raios no céu; dos ventos fustigada,
a chuva se despenha, em turbilhões, no mar.
Na voragem se engolfa a turbida canoa.
Falece-lhe a esperança... Eis, subito, na proa,
radiante aparece a Virgem tutelar.

- "Ó rainha do céu, acode ao navegante!"
num arroubo de fé, exclama o pescador.
Milagre! Eis que um poder estranho retempera
a coragem fugaz do heróico lutador.

E braceja, a remar, com a força insopitável
que lhe trouxe o vigor da crença inquebrantável.

Mais forte que a tormenta é o poder da oração.
Pescador, tu tens fé e Deus tem coração!

Ei-la do pescador a vida aventureira,
passada sobre o mar, numa existência inteira.
Ora de vento em popa, em dias bonançosos;
ora lutando, audaz, com os tempos tormentosos;
aprendendo a sofrer e aprendendo a esperar;
tendo um profundo amor à solidão do mar,
aos filhinhos, à esposa e uma doce lembrança
da praia onde moureja e brincou em criança.

E por isto Jesus prefere aos explendores,
à vanglória do mundo, o amor dos pescadores.



2 comentários:

  1. Belíssima história...e quanto orgulho deves ter de seu avô.A POESIA está presente em cada palavra. Parabéns pelo blog! veraportella

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  2. Muiro orgulho nos dá esse bisavô, Ernesto. Homem de bem e ativo empreendedor de obras que muito contribuíram com a assistência aos menos assistidos em nossa sociedade. Bem na linha de Nosso Senhor Jesus Cristo. Cumprindo os desígnios do Pai maior. Parabéns pela bela iniciativa!

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